domingo, 17 de dezembro de 2006

ORIGEM DO DINHEIRO

Por Mário Carvalho

Vamos lá então iniciar os trabalhos, é um estudo que promete muita qualidade e interesse, numismático e histórico. Para começar, julgo ser interessante referir a origem dos dinheiros, que longe de serem exclusivamente portugueses, foram durante séculos (desde o séc. VIII até, em raros casos, ao séc. XVI) uma peça fundamental da numária europeia.Os primeiros dinheiros, que acabaram por lançar o mote para toda a Europa continental, remontam ao reinado de Carlos Magno. São os chamados dinheiros carolíngios. A sua criação e introdução foi uma autêntica revolução monetária, que, desde o Império Romano só teve equivalência, a meu ver, com a introdução do Euro, em 2004. Carlos Magno encetou um novo sistema monometálico que tinha por base a prata. A contagem do dinheiro seguia o sistema duodecimal, o que para nós, que estamos habituados aos sistemas decimais, poderá ser um pouco confuso, mas basta pensar na forma como dividimos o tempo: os anos, os meses, os dias, as horas, os minutos e os segundos, para formatarmos rapidamente o cérebro para uma base duodecimal. Assim, unidade de conta era o soldo, que tinha como referência ponderal a velha libra romana (que na realidade pesava c. de 327 gr., mas a "interpretação" carolíngia é mais pesada, c. de 408 gr.). Desta forma, a libra de prata foi dividida em 20 partes, cada uma delas era o tal soldo, que nunca foi cunhado, mas teria um peso teórico de c. de 20 gr. Cada soldo dividiu-se em 12 partes, sendo cada uma delas a unidade monetária, com um peso teórico de c. de 1,7 gr. Essa unidade monetária é o nosso dinheiro. Originalmente, o dinheiro carolíngio era de boa qualidade, cerca de 957 milésimas de prata fina. A subdivisão do dinheiro, era o óbolo, que entre nós ficou conhecido por mealha, ou meio dinheiro. Resumindo: sistema monetário: monometálico em prata. Referência ponderal: libra romana. Sistema de conta: duodecimal. Unidade de conta: Soldo = 1/20 da Libra. Unidade efectiva: Dinheiro = 12 Soldos = 1/240 da Libra. Posto isto, ainda andamos a divagar pelos anos de 790, mas já começamos a perceber que algo se está a passar na Europa. Uma moedinha nova, muito prática, pois permite fazer tanto as grandes, como as pequenas transações, está a circular e a expandir-se pela cristandade.
Tipologia dos dinheiros carolíngios: como todas as moedas, os dinheiros tinham duas faces: o anverso e o reverso. O reverso é a face mais característica destes primeiros dinheiros e caracterizaram-nos durante séculos, são a face com a cruz, originalmente equilátera, mas posteriormente muito variada. No que concerne aos anversos, os dinheiros carolíngios dividem-se em três grandes grupos:
1 - Epigráficos - significa que o anverso tem uma legenda numa ou várias linhas ocupando todo o campo desta face.
2 - Anagramáticos - como o nome indica, no lugar das linhas de texto, temos um anagrama, ou seja, algumas letras iniciais conjugadas graficamente.
3 - Arquitectónicos - representações de edifícios, muito estilizados, é certo (faço aqui um parêntesis para referir um quarto tipo, ainda usado por Carlos Magno e herdeiros, mas é muito raro, que são os anversos iconográficos, com a efígie do monarca).
Origens etimológicas dos dinheiros e as suas variantes por esta Europa fora:
A raiz etimológica do dinheiro é a palavra latina denarius, nada mais nada menos que a célebre moeda de prata romana, que fez a sua aparição no mundo nos finais do séc. III a.C. Contudo, não devemos confundir o denário romano com o dinheiro medieval, pois pertencem a realidades bem distintas e não existe, embora fosse essa a intenção de Carlos Magno, qualquer linha de continuidade entre uma moeda e outra, visto que os próprios romanos abandonaram o denário, por volta de meados do séc. III d.C. (embora ainda o usassem como moeda de conta) e os povos que se seguiram aos romanos, os chamados bárbaros (Burgúndios, Francos, Ostrogodos, Visigodos, Suevos, Vândalos, etc, etc.) nunca cunharam nada que se parecesse com o denário. As variantes regionais do termo dinheiro são, entre outras, as seguintes: França - Denier; Reinos Peninsulares - Dinero e Dinheiro; Itália - Denaro. Nas ilhas britânicas, surge uma moedinha chamada Penny que é na prática um dinheiro. Resumidamente é isto, todos os dinheiros que sucederam ao Império Carolíngio seguem estas características base, embora com muitas variantes e, naturalmente, com uma redução de teor de prata ao longo dos séculos, até acabarem em cobre, como os dinheiros do Béarn francês do início do séc. XVI.

2 comentários:

JOSÉ SILVA disse...

Agradeço ao Mário este comentário, que pus aqui com o devido destaque.

Anónimo disse...

Contributo de António Carlos Diogo, in "Fórum de Numismática":



DINHEIRO- Desde os principios da Monarchia houve em Portugal Denario, ou Dinheiro, moeda de cobre, cujo antigo valôr se ignora. D. Fernando mandou lavrar dinheiros do valôr d'hum real, havendo já outros dinheiros, 12 dos quaes fazião hum soldo, e 20 soldos fazião a libra mais antiga: No tempo de D. Duarte o dinheiro valia a decima parte d'hum real branco; e no de D. Affonso 5.º valia a 3.ª parte d´hum ceitil, ou duas mealhas. Para terminar tantas confusões D. Manoel extinguio os dinheiros, dando-lhes a denominação de ceitis, cujo valôr já então era quasi o mesmo; e determinou que huma mealha se contasse por meio ceitil ou meio dinheiro. O dinheiro Romano valia 40 réis: este corria em Jerusalém no tempo do nosso Divino Salvador Jesus Christo; e por isso he bem fundada a opinião de que o Senhor foi vendido por 1200 réis.
DICCIONARIO NUMISMOGRAFICO LUZITANO por F. F. P. DA VILLA DE FAVAIOS, ou seja Frei Francisco dos Prazeres Maranhão, frade capucho da Ordem de S. Francisco, nascido em Favaios a 8 de Julho de 1790 e falecido na Granja de Alijó em 1852. 2.ª EDIÇÃO (FACSIMILADA), PORTO 1963,Publicações da Sociedade Portuguesa de Numismática.

Em 1949 E. J. PORTO, publica: Dinheiros e Mealhas Portuguesas, Lisboa. Diz-nos na introdução o seguinte: Acresce que na obra monumental e basilar sobre a numismática portuguesa, a "Descripção Geral e Histórica das Moedas cunhadas em nome dos Reis, Regentes e Governadores de Portugal", de Teixeira de Aragão, exactamente a parte referente aos dinheiros e mealhas é sucinta demais e até um tanto incompleta. Fundamentando assim a necessidade de um novo catálago.
J. E. PORTO, DINHEIROS E MEALHAS PORTUGUESAS, A. MOLDER - R. 1.º DEZEMBRO - LISBOA, 1949.